22 abril, 2008

Mãos de Fátima





Estes tradicionais batentes que são visíveis em algumas portas mais antigas nas cidades e vilas do sul do país são o reflexo de uma tradição simbólica muito antiga com raízes nas civilizações clássicas, de carácter apotropáico. Este valor atribuído à representação de uma mão decorre, provavelmente, da força simbólica deste orgão que actua muitas vezes como o tradutor por excelência das vontades e acções humanas. É assim que a mão estendida é um amuleto que se aplica em vários contextos ao longo do tempo e em suportes diferenciados, entre os quais os batentes de uma porta. Deste modo, também se verificou ao longo do tempo a apropriação religiosa do símbolo, conferindo-lhe, conforme os casos, a carga simbólica associada ao elemento religioso que o acompanha. Por exemplo, no Judaísmo faz-se corresponder o amuleto à “mão de Miriam”, irmã de Moisés e Araão, e utiliza-se contra o mau-olhado e outras espécies de desgraças. Para este fim é costume pendurá-lo ao pescoço, nas portas das casas, no automóvel ou simplesmente usá-lo na carteira e em outros locais sempre com o intuito da protecção.
Entre nós estes batentes são normalmente entendidos como uma herança cultural árabe/berbere que invocam Fátima, filha de Maomé, o que se reflecte na designação que lhe é atribuída – “Mãos de Fátima”. Estes batentes que podem ocorrer sozinhos ou aos pares são idênticos aos que se vêem um pouco por todo o Magreb.
A importância de Fátima no mundo islâmico (independentemente das várias correntes que lhe atribuem mais ou menos importância) prende-se com o facto de ser ela que assegura a descendência do Profeta e, simbolicamente, da palavra da qual é portador, pois toda a linhagem de Maomé passa através da sua filha mais nova e de seus filhos. Para além disso, Fátima foi aquela que nasceu após a revelação e Maomé afirmou ser ela “uma parte de si mesmo” e a mulher/mãe de maior virtude sendo o exemplo feminino e matriacal no Islão e gozando, por isso, de um tratamento e de uma dignidade especiais que se estenderam até na morte. Daí que a representação da mão associada ao nome de Fátima sugira um talismã de características essencialmente maternais e femininas, funcionando até como adorno simbólico. Relativamente à sua representação nos batentes ou portas das habitações, a sua linguagem é a mesma, pois funcionaria como elemento de delimitação protectora do espaço sagrado do lar que é associado às várias nuances do mundo feminino.
No mundo berbere a “Mão de Fátima”, que entre nós conheceu maior difusão nestes batentes, aparece também em pinturas nos muros das casas e nas portas. Nestes e noutros suportes, o talismã também pode surgir acompanhado de inscrições religiosas e/ou outros símbolos como o crescente, o pentalfa, o corno ou a ferradura que reforçam o seu papel protector.
A permanência destes (e doutros) símbolos no nosso território, com as diversas variações e diferenças que se verificam ao longo do tempo, torna-nos herdeiros de um legado cultural e civilizacional que nos enriquece e valoriza, que nem todos conhecem, mas que nos reporta aos vários povos que nos precederam, e fazem a ponte entre o (s) passado(s) e o presente na medida em que traduzem memória(s).
A ocorrência destes batentes nas nossas portas deveria ser alvo de registo fotográfico e de um estudo cuidado que contemplaria não só o símbolo em si, mas também as arquitecturas onde está inserido e podia mesmo ser englobado em projectos temáticos mais amplos e objecto de exposições ou acções de formação.

23 março, 2008

Pastoreio


Esta bonita cena da pastoreio na Serra do Caldeirão, perto de São Marcos da Serra forma um quadro cada vez mais raro nas nossas paisagens...

22 fevereiro, 2008

Costa Vicentina


Praia III
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Costa Vicentina


Marco
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11 fevereiro, 2008

Amendoeiras

Amendoeiras



Em Fevereiro, quando lá de cima
Deus, com a tinta de luar, escreve
Seus lindos versos algarvios, rima
A flor das amendoeiras com a neve…

Neve em flor! Sonho! Alvura! Quem descreve
O noivado irreal que se aproxima,
Pão branco, tão diáfano, tão leve,
Que nem talvez na música se exprima?

- Meninas da primeira comunhão,
Ascéticas, descendo da montanha
À beira do caminho em procissão,

Em vias-lácteas de perfume brando,
Oiço-vos bem a sinfonia estranha,
- Porque, amendoeiras, vós estais cantando…




Cândido Guerreiro


Portugália Editora, Lisboa, 1943





Francisco Xavier Cândido Guerreiro, um dos mais notáveis poetas algarvios e um dos vultos do séc. XX nesta região, nasceu em Alte em 3 de Dezembro de 1871.
Filho de uma família de poucos recursos mas culta, que lhe proporciona estudos, chega a frequentar o liceu de Faro e o seminário que abandona após a morte do pai, por falta de vocação.
Viveu em Alte, Loulé e Beja enquanto trabalhava para apoiar a mãe, tendo sido escrivão do Juiz da Paz em Estói e Presidente do Posto Meteorológico de Faro, foi também Perfeito da Casa Pia de Beja e Fiscal de Impostos de Faro. Em 1910 é nomeado notário da comarca de Loulé e entre 1912 e 1918, preside à comissão administrativa da Comarca de Loulé. Durante a sua administração o concelho alcançou grande desenvolvimento e progresso, patente, por exemplo, na chegada da luz eléctrica.
Foi amigo do também poeta João Lúcio, que o terá aconselhado a cursar direito em Coimbra, sendo o primeiro altense a faze-lo, provocando orgulho nos seus conterrâneos.
Enquanto poeta, Cândido Guerreiro insere-se numa corrente Pós-Simbolista integrada no grupo da Renascença Portuguesa. O poeta vai buscar influências, a um certo Simbolismo visível na linguagem e nos conceitos, mas também a um parnasianismo esteticista singularizado pelo “pitoresco algarvio”. Esta marca de afecto pela terra, Alte/Loulé e todo o Algarve, é uma das suas principais temáticas, e a forma como a expõe torna-o visivelmente herdeiro de um movimento cuja influência do Orientalismo e Romantismo contribuiu para a reabilitação da imagem de um Algarve arábico. No que respeita à recuperação de tradições de índole popular que identificam e valorizam o meio, é frequentemente reflectida a grande admiração, ou mesmo orgulho do poeta relativamente ao passado mouro do território algarvio.
Devido à sua estrutura rigorosa que lhe confere musicalidade, o soneto é a forma de expressão literária de eleição de Cândido Guerreiro, que além da poesia também produziu teatro, como o “Auto das Rosas de Santa Maria”. As suas principais obras poéticas são, “Balada”, em 1907, “Adeus”, em 1942, “Tuas Mãos Misericordiosas (As)”, 1944, entre outras.
Com estas obras, e talvez também devido aos cargos que desempenhou, a sua figura de poeta e filósofo é afirmada a nível nacional.
Com várias antologias nacionais e estrangeiras, a sua obra está traduzida em línguas como o italiano, o francês e o alemão.

29 janeiro, 2008

Praia do Banho em Porto Covo





Em Porto Covo aparece assinalada desta forma a tradição do Banho Santo de 29 de Agosto. Este era um banho regenerador cujo poder simbólico associava as virtudes próprias das águas vivas à crença em S. João que as fortalecia.
Tradicionalmente, em várias zonas do litoral, um pouco por todo o país, desciam os camponeses e os serranos às praias do litoral para tomar o banho, por vezes o único banho de mar em todo o ano, que curava de todos os males, tanto a pessoas como a animais. O fenómeno verifica-se em duas datas associadas ao santo, 24 de Junho – dia de S. João (que alguns consideram uma extensão das festas do solstício de Verão a 21) e 29 de Agosto – dia de S. João da Degola, ou seja, o dia que, segundo a Igreja católica se atribui à degolação de São João Baptista. O “culto” desta ultima data é mais difundido nas praias do sul, como Cacela, Quarteira, Armação de Pêra ou Lagos, entre muitas outras. Acredita-se que estas práticas, que também podem ser entendidas como ritos de fim de Verão, exerciam efeitos terapêuticos antes do nascer do sol quando a água estava benta. Diz-se também, que o banho que vale por 9 é especialmente bom para o reumatismo.
Esta sobreposição de crenças católicas e das chamadas pagãs onde se verificam antigos rituais popularizados para a promoção de forças benéficas tanto para o homem, como para os seus gados e haveres, ou a cura de diversos males ou “medos”, aponta para um sincretismo religioso bastante interessante que constitui um dos aspectos mais ricos da nossa cultura popular.

Praia do Banho
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