Recentemente foi publicado um trabalho que pretende evocar “A Viagem de Ibn Ammâr se São Brás a Silves, feita por aquele poeta, político e cortesão “algarvio” no século XIII. Esta reconstituição histórica é feita sobre três abordagens de estudo, tais como, a história das fontes árabes, a geografia histórica e a toponímia dos diversos locais de passagem de Ibn Ammâr. Neste ultimo capítulo da responsabilidade de Maria Alice Fernandes, docente da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, pode ver-se a tentativa de reconstituição toponímica de Loulé, com uma proposta que não sendo nova e directamente da autora, é apresentada de forma muito mais clara e consistente relativamente aquela que desde há algum tempo se tem assumido como “oficialmente” aceite. Assim, autores de renome como David Lopes, seguido por Garcia Domingues e José Pedro Machado identificaram o topónimo com uma origem árabe que se radica em significados que remetem para altura, como elevação, colina ou outeiro, donde as formas atestadas no árabe Al-‘Ulyã e Al-‘Ulya teriam evoluído até à forma actual Loulé.
No entanto, para além das reconstituições etimológicas feitas pelos três autores serem diferentes, embora desembocando no mesmo resultado, parecem também ignorar o facto da evolução do topónimo apresentar uma dinâmica evolutiva divergente da de outros topónimos andaluzes aos quais se atribui a mesma origem árabe e que preservam a mesma estrutura e acentuação etimológica. Desta forma, propõe-se que a filiação do termo Loulé esteja no híbrido moçárabe al-olea, ou seja, a oliveira, teoria de Adel Sidarus e posteriormente difundida por Luís Fraga da Silva, na medida em que as propostas anteriormente aceites são de certa forma inadequadas à topografia do terreno onde se situa a cidade. Este pressuposto torna-se ainda mais viável devido à dominância daquela espécie arbórea na campina de Loulé, ajustando-se à paisagem agro-vegetal desde a época romana. A etimologia latina referida explica a divergência mencionada entre o topónimo algarvio e outros topónimos andaluzes. Argumenta-se ainda com a visível afinidade formal entre os topónimos Loulé e Momprolé, nome de um lugar vizinho cuja sintaxe é pré-arabe e que a etimologia sendo do latim vulgar tardio, significaria monte pro Olia, isto é monte dianteiro ao olival.
O nome latino olea tem continuidade atestada no romance moçarabe designando o nome da árvore e, por extensão semântica, poderia vir a designar o colectivo, segundo a autora, que procura descrever a evolução do termo desta forma:
- Do latim clássico olea, teríamos no latim vulgar olía, que está atestado como moçarabismo donde derivaria o corónimo Olía designando Olival. A este corónimo teria sido adicionado como prefixo o artigo árabe al, formando al-Olía que evoluiria, segundo os sistemas de evolução linguística verificados para esta fase, para Aloliá, seguidamente para Aloljá / Aloljé, e posteriormente com a queda da vogal inicial e a redução do ditongo final teríamos, Lole / Lolé, atestação latina de finais do século XII e a portuguesa medieval Loule, ainda durante o domínio islâmico.
A autora do trabalho acima referido apresenta dados extra-linguísticos que parecem comprovar a viabilidade da tese, como por exemplo, a existência na madinat Al-‘Ulyã de uma forte comunidade moçárabe, que explicaria esta evolução do topónimo, revelada, tanto na estrutura mista do cemitério urbano como na dedicação da mesquita posteriormente cristianizada ao santo moçárabe S. Clemente.
Esta proposta da derivação do nome da cidade de Loulé parece tanto mais interessante como consistente, uma vez que é suportada por fortes argumentos histórico linguísticos, como também por factores que remetem para a realidade Sociocultural da cidade na (s) época (s) em causa assim como a sua integração na paisagem e ambiente envolventes. Factores estes que são imprescindíveis para uma tentativa de reconstituição histórica visto fornecerem, directa ou indirectamente, informações que o investigador não encontrará noutras fontes ditas tradicionais, devendo ser o estudo da história entendido como uma tarefa pluridisciplinar.
A título de curiosidade informo que os outros dois autores de “A Viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves”, são Abdallah Khawli e Luís Fraga da Silva. A publicação da obra esteve a cargo da Camâra Municipal de São Brás de Alportel e corresponde, a uma comunicação apresentada pelos 3 autores nas I Jornadas “As Vias do Algarve, da época romana à actualidade”.
2 comentários:
Estive presente nessa sessão de apresentação do livro e congratulo-me com a descrição e o pormenor da sua escrita em relação ao reavivar desta tese sobre o topónimo de Loulé. Também fiquei deveras impressionado com as potencialidades destes trabalhos multidisciplinares.
Senti ainda que muitas coisas em comum nos ligam a estes lugares do Sul e às civilizações que nos precederam.
Um abraço irmão.
António Baeta Oliveira
Local & Blogal
Infelizmente não tive oportunidade de estar presente na apresentação do livro, no entanto já o li e posso dizer que para além do interesse da investigação em si, as suas potencialidades prendem-se também com o abrir de muitas outras portas. Sim, há muitas coisas, às quais muitas vezes não se dá a devida importância, que nos ligam às civilizações do passado e que contribuem para a construção da nossa memória e da nossa identidade, valorizando-a.
Obrigado pelo comentário!
Um abraço
Susana
Enviar um comentário