O Arco do Repouso foi uma das portas principais de acesso à cidade de Faro no período islâmico. Do seu conjunto destacam-se as 2 torres albarrãs datadas do séc. XII, período Almóada, que constituem a porta e ligam a muralha. Não fossem as diversas obras de restauro que sofreu ao longo dos tempos e que não respeitando o original, como seria desejável, acabaram por o adulterar, estaríamos, ainda hoje, perante um magnífico exemplar da arquitectura militar Almóada.
O significado desta entrada da cidade também está ligado à conquista da cidade por D. Afonso III e pelos cavaleiros de Santiago pois terá sido por aqui que tomaram a cidade a 23 de Fevereiro de 1249. Diz-se que naquele lugar terá repousado o rei após a rendição dos mouros da cidade, e que será daí que deriva o seu nome actual. No entanto há outras versões onde entra o maravilhoso enquanto elemento estruturante da narrativa…
Quando D. Afonso III auxiliado pelos cavaleiros de Santiago montou cerco à cidade de Faro foi destacada para o local do actual largo de São Francisco, uma força militar comandada por “um brioso oficial, robusto e formoso rapaz, solteiro” que a determinada altura se terá enamorado pela “formosa e gentil filha do governador mouro” que também se rendeu aos seus encantos. O par de namorados combinou certa noite um encontro dentro do castelo com o auxílio de um escravo mouro. Antes de se ausentar, o oficial avisou alguns dos seus camaradas ao que ia, recomendando-lhes, no entanto, que caso não regressasse em breve tendo sido vítima de emboscada, ao tomarem o castelo não maltratassem a filha do governador certo que estava da sua inocência.
No castelo entretiveram-se os dois namorados até à hora da saída quando a jovem moura, juntamente com o seu irmão de 8 anos, acompanhou o seu querido namorado até à porta. Aqui os acontecimentos precipitaram-se: Quando se aproximaram da porta, o escravo mouro disse-lhes que estava muita gente do lado de fora, pois ouvia vozes abafadas, assustando a gentil moura, ao que o oficial confiante terá pedido que não tivesse medo pois assumia a responsabilidade pelos seus companheiros. “Nesse momento o criado destrancou a porta, fazendo pequeno ruído. Então foi a porta impelida de fora para dentro com muita força e um grupo de soldados cristãos, numa vozearia de estontear começou a gritar pelo seu oficial. A este impulso gigantesco, o oficial recuou um passo e susteve nos braços a sua gentil moura, colocando-a sobre os ombros e dizendo em voz alta:
- Para trás, para trás: estou aqui.
Já a este tempo soava por todo o castelo a voz de alarme. Armados até aos dentes afluíram os defensores à porta do nascente. O oficial, segurando nos braços a moura gentil, viu-se em iminente perigo. Avançou para fora com a moura e, quase ao transpor da porta, hoje conhecida pela Senhora do Repouso, notou que tinha nos braços não uma formosa jovem, mas apenas uns farrapos, que se desfaziam à mais pequena e leve aragem. Olhou para o lado pela criancinha e não a viu. Então teve a profunda e tristíssima compreensão da sua desgraça. Caiu no chão sem sentidos.
Passadas horas tornou a si o oficial e viu-se deitado na sua cama sob a barraca de campanha. Tinha a seu lado um camarada, de quem era amigo íntimo.
- Quem me trouxe para este lugar? Perguntou.
- Não fales que te faz mal. O físico proibiu que falasses.
- Eu estou bom, disse o oficial erguendo-se de um salto. Quem me conduziu para aqui?
-Eu e os nossos camaradas. Estavas caído entre a porta do castelo.
- E a filha do governador?
O amigo nada lhe soube dizer da filha do governador. Contou-lhe que, tendo esperado com alguns camaradas a sua saída do castelo, tinham resolvido entrar à força, supondo que o teriam morto, e que o governador ousado acudira com as suas numerosas forças e rechaçaram a pequena força portuguesa. Nesse momento acudiram as forças do Mestre e de D João de Aboim e os mouros tinham sido forçados a entregar o castelo, mediante uma avença com o rei D. Afonso.
O oficial saio da barraca e pediu ao amigo que o deixasse. Dirigiu-se à porta do castelo. Ao entrar pelo Arco da Senhora do Repouso viu ao lado esquerdo a cabeça de uma criança que se assomava por um buraco.
- O que fazes aí, menino? Perguntou o oficial, conhecendo o irmão da sua namorada.
- Estamos aqui encantados: eu e a minha irmã
- Quem vos encantou?
- O nosso pai. Soube por uma espia que levavas nos braços a minha irmã acompanhada por mim e, invocando Allah, encantou-nos aqui no momento em que transpunhas a porta. Por atraiçoarmos a santa causa do nosso Allah aqui ficaremos encantados.
- Por muito tempo?
- Enquanto o mundo for mundo.
O oficial, um valente, não pôde suster as lágrimas. Quis ainda perguntar à criança pela irmã mas a criança desaparecera.
Nunca mais ninguém o viu rir. Terminando o cerco, pediu licença ao Rei e recolheu-se a um convento, onde professou adoptando outro nome.”
(Francisco Xavier D’ Ataíde Oliveira, As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve, Edição Notícias de Loulé, 1996, PP.148-150, adaptado.)
As lendas das Mouras Encantadas fazem parte do património e do imaginário popular de Portugal e, com especial enfoque, da região do Algarve. São testemunhas de um passado que remete para a presença árabe neste território e que ao ser transportada para a nossa época sob a forma de lenda revela-se viva na mentalidade e cultura do presente, formando um património cultural rico que, embora estando em declínio, deve ser preservado e divulgado.
A reabilitação das lendas mouriscas associadas a lugares mágicos cumpre a dupla função de preservar a memória oral e literária mantendo vivo o significado do conto, logo desde a infância, assim como a importância do monumento ou lugar que lhe serve de cenário, enriquecendo-o e emprestando-lhe um sentido novo, para além do seu significado monumental, despertando o imaginário popular. Esta herança cultural deve ser transmitida às crianças através da literatura permitindo-lhes desenvolver competências que enriquecem a vida estimulando a imaginação e o intelecto.
O significado desta entrada da cidade também está ligado à conquista da cidade por D. Afonso III e pelos cavaleiros de Santiago pois terá sido por aqui que tomaram a cidade a 23 de Fevereiro de 1249. Diz-se que naquele lugar terá repousado o rei após a rendição dos mouros da cidade, e que será daí que deriva o seu nome actual. No entanto há outras versões onde entra o maravilhoso enquanto elemento estruturante da narrativa…
Quando D. Afonso III auxiliado pelos cavaleiros de Santiago montou cerco à cidade de Faro foi destacada para o local do actual largo de São Francisco, uma força militar comandada por “um brioso oficial, robusto e formoso rapaz, solteiro” que a determinada altura se terá enamorado pela “formosa e gentil filha do governador mouro” que também se rendeu aos seus encantos. O par de namorados combinou certa noite um encontro dentro do castelo com o auxílio de um escravo mouro. Antes de se ausentar, o oficial avisou alguns dos seus camaradas ao que ia, recomendando-lhes, no entanto, que caso não regressasse em breve tendo sido vítima de emboscada, ao tomarem o castelo não maltratassem a filha do governador certo que estava da sua inocência.
No castelo entretiveram-se os dois namorados até à hora da saída quando a jovem moura, juntamente com o seu irmão de 8 anos, acompanhou o seu querido namorado até à porta. Aqui os acontecimentos precipitaram-se: Quando se aproximaram da porta, o escravo mouro disse-lhes que estava muita gente do lado de fora, pois ouvia vozes abafadas, assustando a gentil moura, ao que o oficial confiante terá pedido que não tivesse medo pois assumia a responsabilidade pelos seus companheiros. “Nesse momento o criado destrancou a porta, fazendo pequeno ruído. Então foi a porta impelida de fora para dentro com muita força e um grupo de soldados cristãos, numa vozearia de estontear começou a gritar pelo seu oficial. A este impulso gigantesco, o oficial recuou um passo e susteve nos braços a sua gentil moura, colocando-a sobre os ombros e dizendo em voz alta:
- Para trás, para trás: estou aqui.
Já a este tempo soava por todo o castelo a voz de alarme. Armados até aos dentes afluíram os defensores à porta do nascente. O oficial, segurando nos braços a moura gentil, viu-se em iminente perigo. Avançou para fora com a moura e, quase ao transpor da porta, hoje conhecida pela Senhora do Repouso, notou que tinha nos braços não uma formosa jovem, mas apenas uns farrapos, que se desfaziam à mais pequena e leve aragem. Olhou para o lado pela criancinha e não a viu. Então teve a profunda e tristíssima compreensão da sua desgraça. Caiu no chão sem sentidos.
Passadas horas tornou a si o oficial e viu-se deitado na sua cama sob a barraca de campanha. Tinha a seu lado um camarada, de quem era amigo íntimo.
- Quem me trouxe para este lugar? Perguntou.
- Não fales que te faz mal. O físico proibiu que falasses.
- Eu estou bom, disse o oficial erguendo-se de um salto. Quem me conduziu para aqui?
-Eu e os nossos camaradas. Estavas caído entre a porta do castelo.
- E a filha do governador?
O amigo nada lhe soube dizer da filha do governador. Contou-lhe que, tendo esperado com alguns camaradas a sua saída do castelo, tinham resolvido entrar à força, supondo que o teriam morto, e que o governador ousado acudira com as suas numerosas forças e rechaçaram a pequena força portuguesa. Nesse momento acudiram as forças do Mestre e de D João de Aboim e os mouros tinham sido forçados a entregar o castelo, mediante uma avença com o rei D. Afonso.
O oficial saio da barraca e pediu ao amigo que o deixasse. Dirigiu-se à porta do castelo. Ao entrar pelo Arco da Senhora do Repouso viu ao lado esquerdo a cabeça de uma criança que se assomava por um buraco.
- O que fazes aí, menino? Perguntou o oficial, conhecendo o irmão da sua namorada.
- Estamos aqui encantados: eu e a minha irmã
- Quem vos encantou?
- O nosso pai. Soube por uma espia que levavas nos braços a minha irmã acompanhada por mim e, invocando Allah, encantou-nos aqui no momento em que transpunhas a porta. Por atraiçoarmos a santa causa do nosso Allah aqui ficaremos encantados.
- Por muito tempo?
- Enquanto o mundo for mundo.
O oficial, um valente, não pôde suster as lágrimas. Quis ainda perguntar à criança pela irmã mas a criança desaparecera.
Nunca mais ninguém o viu rir. Terminando o cerco, pediu licença ao Rei e recolheu-se a um convento, onde professou adoptando outro nome.”
(Francisco Xavier D’ Ataíde Oliveira, As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve, Edição Notícias de Loulé, 1996, PP.148-150, adaptado.)
As lendas das Mouras Encantadas fazem parte do património e do imaginário popular de Portugal e, com especial enfoque, da região do Algarve. São testemunhas de um passado que remete para a presença árabe neste território e que ao ser transportada para a nossa época sob a forma de lenda revela-se viva na mentalidade e cultura do presente, formando um património cultural rico que, embora estando em declínio, deve ser preservado e divulgado.
A reabilitação das lendas mouriscas associadas a lugares mágicos cumpre a dupla função de preservar a memória oral e literária mantendo vivo o significado do conto, logo desde a infância, assim como a importância do monumento ou lugar que lhe serve de cenário, enriquecendo-o e emprestando-lhe um sentido novo, para além do seu significado monumental, despertando o imaginário popular. Esta herança cultural deve ser transmitida às crianças através da literatura permitindo-lhes desenvolver competências que enriquecem a vida estimulando a imaginação e o intelecto.
1 comentário:
necessario verificar:)
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