24 maio, 2007

Placas Toponímicas em azulejo












O azulejo é sem duvida um objecto de referência na cultura portuguesa, tendo sido utilizado ao longo dos tempos como elemento decorativo e como veiculo do imaginário de grande expressão e criação artística dadas as suas marcações próprias de luz e cor, constituindo uma mais valia para a História de Arte ou História das Artes Decorativas.
Mas o azulejo também teve uma utilização utilitária patente na sua articulação com a arquitectura, onde assume a sua função de “arte pública”, onde se revelam também diversas informações em suporte de azulejo, faceta que parece ter tido a sua grande importância nos finais do século XIX e 1ª metade do século XX. Estes painéis gráficos, são concebidos como elementos soltos na parte exterior dos edifícios pouco dependentes do suporte arquitectónico a que se colam e podem ser de carácter informativo, publicitário ou toponímico. Existem dois tipos de placas toponímicas, as que indicam o nome da localidade, e as que designam o nome das ruas e outros espaços urbanos. As placas referentes às localidades foram quase todas colocadas no início do século XX pelo Automóvel Clube de Portugal nas principais vias de comunicação de várias povoações portuguesas ou nas estações. Estes letreiros são formados por letras individuais feitas em série, pintadas através de estampilhos manuais agrupadas conforme a palavra a constituir e rematados por frisos próprios e são identificados por um pequeno fragmento no cimo do topónimo com a sigla ACP entrelaçada. A de Montalvão é em tudo igual às placas descritas, assim como a uma fotografia presente na História do Azulejo em Portugal da Alfa, no entanto falta-lhe a sigla que deve ter sido destruída. Estas placas, assim como outras idênticas que não terão a sua origem no ACP, são sem dúvida uma marca de distinção que individualiza as estradas e as povoações portuguesas. Outra marca cultural está patente nas placas toponímicas referentes aos espaços urbanos, pois se a denominação de Avenidas, Ruas, Largos, Praças, Travessas ou Becos nos dá uma, por si só, informação acerca da importância ou significado histórico do topónimo escolhido, também a grafia destes letreiros é identificativa de uma imagem ou de um lugar. A utilização destes letreiros generalizou-se no início do século XX, e pode observar-se em alguns exemplares desenhos que revelam criatividade nos seus adornos e informação das legendas, e também desenhos típicos de inspiração neoclássica.
As placas de informação toponímica visíveis na cidade de Loulé obedecem a dois modelos diferentes: uma delas constitui-se por um círculo com o topónimo correspondente e o brasão da cidade; o outro modelo apresenta-se mais elaborado na folhagem envolvente, para além do topónimo a que se refere tem igualmente o brasão da cidade, e algumas delas dão uma informação complementar, sob a forma de legenda, de quem foi, por exemplo, a figura homenageada. Ambos os modelos de placas são pintados em tons de azul e branco.
Este equipamento toponímico azulejar faz parte do património cultural das comunidades, enquanto manifestação artística própria de uma época ou épocas e sobretudo enquanto referência da memória, cumprindo uma dupla função social. Daqui surge a necessidade de desenvolvimento de acções de sensibilização do cidadão, dando-lhe a conhecer um património muitas vezes relegado para 2º plano o qual passa muitas vezes despercebido dada a sua conotação com o antigo, no sentido de velho e em desuso, devendo por isso ser substituído por formas modernas, ao invés de ser reconhecido e preservado. Para este fim são necessárias intervenções de restauro nos conjuntos possíveis e mais significativos, mas sobretudo acções de prevenção e preservação daquilo que existe com vista ao impedimento da destruição, seja esta por acção do tempo/abandono ou por actos de vandalismo. O serviço cívico/educativo também teria um papel preponderante ao nível de acções promovidas pelas autarquias e juntas de freguesia, quer ao nível do ensino nas escolas que deve começar a sensibilizar a criança para as questões patrimoniais desde tenra idade, remetendo para exemplos próximos e organizando actividades de âmbito extra-curricular. Na abordagem a este património também não deve ser esquecido o papel dos museus e organizações culturais.








Nota: A placa com indicação de Montalvão foi fotografada numa rua de Nisa a 13/05/2007, as restantes pertencem à cidade de Loulé

23 maio, 2007

Al-'Ulyã - O nome árabe de Loulé


Recentemente foi publicado um trabalho que pretende evocar “A Viagem de Ibn Ammâr se São Brás a Silves, feita por aquele poeta, político e cortesão “algarvio” no século XIII. Esta reconstituição histórica é feita sobre três abordagens de estudo, tais como, a história das fontes árabes, a geografia histórica e a toponímia dos diversos locais de passagem de Ibn Ammâr. Neste ultimo capítulo da responsabilidade de Maria Alice Fernandes, docente da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, pode ver-se a tentativa de reconstituição toponímica de Loulé, com uma proposta que não sendo nova e directamente da autora, é apresentada de forma muito mais clara e consistente relativamente aquela que desde há algum tempo se tem assumido como “oficialmente” aceite. Assim, autores de renome como David Lopes, seguido por Garcia Domingues e José Pedro Machado identificaram o topónimo com uma origem árabe que se radica em significados que remetem para altura, como elevação, colina ou outeiro, donde as formas atestadas no árabe Al-‘Ulyã e Al-‘Ulya teriam evoluído até à forma actual Loulé.
No entanto, para além das reconstituições etimológicas feitas pelos três autores serem diferentes, embora desembocando no mesmo resultado, parecem também ignorar o facto da evolução do topónimo apresentar uma dinâmica evolutiva divergente da de outros topónimos andaluzes aos quais se atribui a mesma origem árabe e que preservam a mesma estrutura e acentuação etimológica. Desta forma, propõe-se que a filiação do termo Loulé esteja no híbrido moçárabe al-olea, ou seja, a oliveira, teoria de Adel Sidarus e posteriormente difundida por Luís Fraga da Silva, na medida em que as propostas anteriormente aceites são de certa forma inadequadas à topografia do terreno onde se situa a cidade. Este pressuposto torna-se ainda mais viável devido à dominância daquela espécie arbórea na campina de Loulé, ajustando-se à paisagem agro-vegetal desde a época romana. A etimologia latina referida explica a divergência mencionada entre o topónimo algarvio e outros topónimos andaluzes. Argumenta-se ainda com a visível afinidade formal entre os topónimos Loulé e Momprolé, nome de um lugar vizinho cuja sintaxe é pré-arabe e que a etimologia sendo do latim vulgar tardio, significaria monte pro Olia, isto é monte dianteiro ao olival.
O nome latino olea tem continuidade atestada no romance moçarabe designando o nome da árvore e, por extensão semântica, poderia vir a designar o colectivo, segundo a autora, que procura descrever a evolução do termo desta forma:
- Do latim clássico olea, teríamos no latim vulgar olía, que está atestado como moçarabismo donde derivaria o corónimo Olía designando Olival. A este corónimo teria sido adicionado como prefixo o artigo árabe al, formando al-Olía que evoluiria, segundo os sistemas de evolução linguística verificados para esta fase, para Aloliá, seguidamente para Aloljá / Aloljé, e posteriormente com a queda da vogal inicial e a redução do ditongo final teríamos, Lole / Lolé, atestação latina de finais do século XII e a portuguesa medieval Loule, ainda durante o domínio islâmico.
A autora do trabalho acima referido apresenta dados extra-linguísticos que parecem comprovar a viabilidade da tese, como por exemplo, a existência na madinat Al-‘Ulyã de uma forte comunidade moçárabe, que explicaria esta evolução do topónimo, revelada, tanto na estrutura mista do cemitério urbano como na dedicação da mesquita posteriormente cristianizada ao santo moçárabe S. Clemente.
Esta proposta da derivação do nome da cidade de Loulé parece tanto mais interessante como consistente, uma vez que é suportada por fortes argumentos histórico linguísticos, como também por factores que remetem para a realidade Sociocultural da cidade na (s) época (s) em causa assim como a sua integração na paisagem e ambiente envolventes. Factores estes que são imprescindíveis para uma tentativa de reconstituição histórica visto fornecerem, directa ou indirectamente, informações que o investigador não encontrará noutras fontes ditas tradicionais, devendo ser o estudo da história entendido como uma tarefa pluridisciplinar.




A título de curiosidade informo que os outros dois autores de “A Viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves”, são Abdallah Khawli e Luís Fraga da Silva. A publicação da obra esteve a cargo da Camâra Municipal de São Brás de Alportel e corresponde, a uma comunicação apresentada pelos 3 autores nas I Jornadas “As Vias do Algarve, da época romana à actualidade”.

22 maio, 2007

Portais Manuelinos de Alvito












A vila de Alvito, sede do concelho com o mesmo nome, situa-se a norte do distrito de Beja tendo a povoação nascido e crescido na Idade Média. Em 1475 o rei D. Afonso V concede o titulo de Barão a D. João Fernandes da Silveira, tornando-se Alvito a cabeça da primeira baronia instituída em Portugal, o que revela muito da importância que aquela vila tinha para a coroa. O Barão de Alvito era esposo de D. Maria de Sousa Lobo, família nobre à qual a história da vila sempre esteve ligada. Este crescimento e desenvolvimento económico e populacional que levam à criação da baronia e atribuição de outros privilégios, está ainda hoje bem patente na grandeza dos diversos monumentos da terra, mas também, e muito particularmente, na forte representatividade da arte manuelina em habitações comuns. Um pouco por toda a vila é possível observar este estilo arquitectónico na moldura de portas e janelas em fachadas cuidadas que parecem reflectir o orgulho dos seus habitantes numa clara aposta de valorização daquele património.

21 maio, 2007

ARCO DO REPOUSO


O Arco do Repouso foi uma das portas principais de acesso à cidade de Faro no período islâmico. Do seu conjunto destacam-se as 2 torres albarrãs datadas do séc. XII, período Almóada, que constituem a porta e ligam a muralha. Não fossem as diversas obras de restauro que sofreu ao longo dos tempos e que não respeitando o original, como seria desejável, acabaram por o adulterar, estaríamos, ainda hoje, perante um magnífico exemplar da arquitectura militar Almóada.
O significado desta entrada da cidade também está ligado à conquista da cidade por D. Afonso III e pelos cavaleiros de Santiago pois terá sido por aqui que tomaram a cidade a 23 de Fevereiro de 1249. Diz-se que naquele lugar terá repousado o rei após a rendição dos mouros da cidade, e que será daí que deriva o seu nome actual. No entanto há outras versões onde entra o maravilhoso enquanto elemento estruturante da narrativa…


Quando D. Afonso III auxiliado pelos cavaleiros de Santiago montou cerco à cidade de Faro foi destacada para o local do actual largo de São Francisco, uma força militar comandada por “um brioso oficial, robusto e formoso rapaz, solteiro” que a determinada altura se terá enamorado pela “formosa e gentil filha do governador mouro” que também se rendeu aos seus encantos. O par de namorados combinou certa noite um encontro dentro do castelo com o auxílio de um escravo mouro. Antes de se ausentar, o oficial avisou alguns dos seus camaradas ao que ia, recomendando-lhes, no entanto, que caso não regressasse em breve tendo sido vítima de emboscada, ao tomarem o castelo não maltratassem a filha do governador certo que estava da sua inocência.
No castelo entretiveram-se os dois namorados até à hora da saída quando a jovem moura, juntamente com o seu irmão de 8 anos, acompanhou o seu querido namorado até à porta. Aqui os acontecimentos precipitaram-se: Quando se aproximaram da porta, o escravo mouro disse-lhes que estava muita gente do lado de fora, pois ouvia vozes abafadas, assustando a gentil moura, ao que o oficial confiante terá pedido que não tivesse medo pois assumia a responsabilidade pelos seus companheiros. “Nesse momento o criado destrancou a porta, fazendo pequeno ruído. Então foi a porta impelida de fora para dentro com muita força e um grupo de soldados cristãos, numa vozearia de estontear começou a gritar pelo seu oficial. A este impulso gigantesco, o oficial recuou um passo e susteve nos braços a sua gentil moura, colocando-a sobre os ombros e dizendo em voz alta:
- Para trás, para trás: estou aqui.
Já a este tempo soava por todo o castelo a voz de alarme. Armados até aos dentes afluíram os defensores à porta do nascente. O oficial, segurando nos braços a moura gentil, viu-se em iminente perigo. Avançou para fora com a moura e, quase ao transpor da porta, hoje conhecida pela Senhora do Repouso, notou que tinha nos braços não uma formosa jovem, mas apenas uns farrapos, que se desfaziam à mais pequena e leve aragem. Olhou para o lado pela criancinha e não a viu. Então teve a profunda e tristíssima compreensão da sua desgraça. Caiu no chão sem sentidos.
Passadas horas tornou a si o oficial e viu-se deitado na sua cama sob a barraca de campanha. Tinha a seu lado um camarada, de quem era amigo íntimo.
- Quem me trouxe para este lugar? Perguntou.
- Não fales que te faz mal. O físico proibiu que falasses.
- Eu estou bom, disse o oficial erguendo-se de um salto. Quem me conduziu para aqui?
-Eu e os nossos camaradas. Estavas caído entre a porta do castelo.
- E a filha do governador?
O amigo nada lhe soube dizer da filha do governador. Contou-lhe que, tendo esperado com alguns camaradas a sua saída do castelo, tinham resolvido entrar à força, supondo que o teriam morto, e que o governador ousado acudira com as suas numerosas forças e rechaçaram a pequena força portuguesa. Nesse momento acudiram as forças do Mestre e de D João de Aboim e os mouros tinham sido forçados a entregar o castelo, mediante uma avença com o rei D. Afonso.
O oficial saio da barraca e pediu ao amigo que o deixasse. Dirigiu-se à porta do castelo. Ao entrar pelo Arco da Senhora do Repouso viu ao lado esquerdo a cabeça de uma criança que se assomava por um buraco.
- O que fazes aí, menino? Perguntou o oficial, conhecendo o irmão da sua namorada.
- Estamos aqui encantados: eu e a minha irmã
- Quem vos encantou?
- O nosso pai. Soube por uma espia que levavas nos braços a minha irmã acompanhada por mim e, invocando Allah, encantou-nos aqui no momento em que transpunhas a porta. Por atraiçoarmos a santa causa do nosso Allah aqui ficaremos encantados.
- Por muito tempo?
- Enquanto o mundo for mundo.
O oficial, um valente, não pôde suster as lágrimas. Quis ainda perguntar à criança pela irmã mas a criança desaparecera.
Nunca mais ninguém o viu rir. Terminando o cerco, pediu licença ao Rei e recolheu-se a um convento, onde professou adoptando outro nome.”

(Francisco Xavier D’ Ataíde Oliveira, As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve, Edição Notícias de Loulé, 1996, PP.148-150, adaptado.)


As lendas das Mouras Encantadas fazem parte do património e do imaginário popular de Portugal e, com especial enfoque, da região do Algarve. São testemunhas de um passado que remete para a presença árabe neste território e que ao ser transportada para a nossa época sob a forma de lenda revela-se viva na mentalidade e cultura do presente, formando um património cultural rico que, embora estando em declínio, deve ser preservado e divulgado.
A reabilitação das lendas mouriscas associadas a lugares mágicos cumpre a dupla função de preservar a memória oral e literária mantendo vivo o significado do conto, logo desde a infância, assim como a importância do monumento ou lugar que lhe serve de cenário, enriquecendo-o e emprestando-lhe um sentido novo, para além do seu significado monumental, despertando o imaginário popular. Esta herança cultural deve ser transmitida às crianças através da literatura permitindo-lhes desenvolver competências que enriquecem a vida estimulando a imaginação e o intelecto.

04 maio, 2007

CAÍQUE BOM SUCESSO




Esta foto revela um pormenor da réplica do caíque Bom Sucesso ancorado na doca de Olhão, junto ao Mercado Municipal. Devido às suas características de barco pequeno, mas resistente e veloz, este tipo de embarcação foi uma das mais utilizadas pelas gentes de Olhão na pesca do alto mar. No entanto o original ao qual esta réplica se refere destacou-se na história de Olhão e do Algarve, não pelas pescarias nas costas de Marrocos, mas pela aventura da viagem ao Brasil. Os acontecimentos remontam a 1807, quando durante as invasões napoleónicas, o general Junot, envia o marquês de Campigny para se estabelece em Faro. Com a ajuda do coronel José Lopes, Olhão revolta-se contra o exército invasor ajudando a libertar a cidade vizinha originando a revolução que culminou com a luta decisiva na ponte de Quelfes, expulsando os franceses do Algarve. Após este acontecimento as gentes de Olhão decidiram empreender a viagem atlântica para levar a notícia ao príncipe regente D. João e a embarcação escolhida foi o caíque Bom Sucesso que iniciou a viagem a 6 de Julho de 1808, tendo como tripulantes dezassete pescadores olhanenses, sendo o mestre Manuel Martins Garrocho e o piloto, Manuel de Oliveira Nobre. A 22 de Setembro, depois de atravessar o Atlântico, o caíque chega ao Rio de Janeiro, onde D. João honra os pescadores concedendo-lhes um diploma que eleva o lugar de Olhão a “Vila de Olhão da Restauração”, e atribui também o título de marquês de Olhão a D. Francisco de Mello e Cunha.
Segundo os registos, todos os tripulantes regressaram à sua terra contribuindo para considerar esta viagem um dos grandes feitos marítimos da nossa história, pois tratava-se de uma embarcação de pesca que embora estivesse vocacionada para o alto mar, não estaria equipada para uma viagem daquela envergadura atravessando o Atlântico, nem a embarcação, nem os tripulantes, que não teriam mapas e instrumentos de orientação adequados aquela viagem, pois a pescaria em alto mar era maioritariamente na costa marroquina. É desta forma que o Bom Sucesso enquanto protagonista de um feito que enaltece o orgulho dos olhanenses, se torna tão emblemático para a cidade e que a sua presença se torna importante para o preservar da memória e da identidade.